A Vida de Alves

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

2.


Se todos conheciam Alves através dos curtos momentos nos escassos espaços, Alves se conhecia e reconhecia o tempo todo pelos enormes locais que construía, universos inteiros populados por outros Alves que eram o próprio Alves, dividido em suas múltiplas personalidades. Alves não era pequeno nem escasso. Era grande e transbordava. Tinha emoções e costumava expressá-las. Mas não nos escassos espaços. Nos escassos espaços era monoemotivo. Era cru e não se fazia ouvir. Porque se o ouvissem, não o entenderiam. A capacidade de Alves para interagir com as pessoas da forma como gostaria era muito menor que o quarto, a mesa, os buracos, os membros, o cuidado com os papeis ou os amassos nas camisas. A paciência de Alves também era escassa. E assim, Alves vivia: com metade de sua vida o incomodando no bolso de trás da calça, e a outra dividida em diálogos rasos, relacionamentos vazios, trabalhos inconclusos, papeis amassados, roupas sujas, escassos espaços e a imensidão de sua cabeça sempre crescendo e o engolindo.

1.

Alves era um homem. Tomava café com leite e usava o computador. Os espaços do mundo destinados a ele eram pequenos e escassos. Seu quarto não era muito maior que sua mesa no escritório, com seus vastos 3m2. Seus papeis viviam tão jogados quanto suas roupas. Suas roupas viviam tão amassadas quanto seus papeis. Metade da sua vida se encontrava desconfortavelmente guardada no bolso de trás da sua calça, dentro de sua carteira - que pelo incômodo causado às suas nádegas, vivia jogada em mesas e encostos; Alves gostava de viver perigosamente. Alves gostava de mulheres. Certas mulheres gostavam de Alves. Os escassos espaços também incluíam os buracos dessas certas mulheres, periodicamente preenchidos pelo membro de Alves. Cabeçudo, Alves podia dizer com segurança que o único espaço privado que frequentava que não era nem pequeno, e nem escasso, era sua própria cabeça. Seus pensamentos eram mais organizados que seus papeis. Suas memórias eram mais claras que a água que bebia, da torneira, todos os dias.